World Fashion edição 161

P R I S M A POR NEIVA OTERO ifícil imaginar um mun- do sem roupas. Roupas protegem nosso corpo e também constroem nossa identidade. Roupa é função, mas também é cultura. E faz girar uma das maiores cadeias de negócio do plane- ta, dando emprego para milhões de pessoas e gerando receita de cerca de 1,3 trilhões de dólares. É uma indústria gigante que, desde o início do século 21, viu a sua produção praticamente duplicar, em grande par- te impulsionada pelo modelo do fast fashion. O que seria uma ótima notícia se ela não viesse acompanhada por fa- tores socioambientais de impacto ne- gativo dos quais já estamos cientes. Como, por exemplo, o grande volume de resíduos têxteis. A cada segundo, um caminhão de lixo de resíduos têx- teis é despejado em aterros sanitários ou incinerado. A informação é do rela- tório A new textiles economy: Redesigning fashion’s future (em tradução livre, Uma nova economia têxtil: Redesenhando o futuro da moda), publicado no final de 2017 pela Fundação Ellen MacArthur, instituição que fomenta a reflexão e de- bate sobre economia circular. O relatório compilou outros dados rele- vantes. O processo produtivo da cadeia é responsável pela emissão de 1,2 bi- lhão de toneladas de gases efeito estu- fa na atmosfera, mais do que o total dos emitidos em conjunto por voos inter- nacionais e transporte marítimo. Cerca TIDA (lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização). O que sig- nificaria uma redução nos lucros esti- mada em 52 bilhões de dólares. Os novos caminhos tambémdevematen- der às expectativas de um consumidor mais informado, atento a temas como consumo consciente, vida saudável, éti- ca, transparência, autenticidade e susten- tabilidade em seu sentidomais amplo. É um consumidor que se engaja em causas globais, que diz não ao desper- dício, ao consumo excessivo e que pre- fere compartilhar experiências a “ter” coisas. Segundo estudo do Euromoni- tor sobre macrotendências de consu- mo realizado no ano passado, cerca de 60% dos jovens entrevistados entre 20 e 29 anos acreditamque suas escolhas e ações podem resultar em impacto posi- tivo e fazer diferença no mundo. Algumas mudanças de comportamento já foram observadas. Análises feitas nos Estados Unidos e Europa nos últimos dois anos apontam que a roupa trendy , barata e descartável, vem perdendo es- paço entre os Millennials, que passaram a preferir marcas locais e peças demaior qualidade e design apurado, que pos- sam durar mais de uma estação. Tam- bém entram na lista de preferidos peças eco-friendly, confeccionadas com maté- rias primas orgânicas ou veganas, além das compras em brechós e o upcycling. Para entrar em sintonia com seu princi- pal público, grupos do fast fashion de- ram o start a iniciativas que atendem, de meio milhão de dólares são perdidos anualmente devido ao rápido descar- te de roupas, já que o número de vezes que uma mesma peça é usada diminuiu em torno de 36% nos últimos 15 anos. Anualmente, a indústria consome 93 bi- lhões de metros cúbicos de água e de- pende de recursos não-renováveis. E até 2050, a cadeia despejará 22 milhões de toneladas de microplásticos no oceano e será responsável por um quarto das emissões de CO² do planeta. Uma indústria com tamanho impacto sobreviverá se mantiver o sistema li- near pelo qual ainda opera? UM HORIZONTE DE DESAFIOS E OPORTUNIDADES A questão do desenvolvimento sustentá- vel vem frequentando a pauta das gran- des corporações desde meados dos anos 90. O conceito do triple bottom line (tripé da sustentabilidade) tem sido observado cada vezmais. Criado pelo inglês John El- kington, o conceito qualifica como negó- cio sustentável aquele que é realizado de maneira ambientalmente correta, social- mente justa e economicamente viável. Assim como ocorre em outros setores produtivos, a indústria da moda terá de buscar novos caminhos para pros- perar em um mundo com desigualda- des, mudanças climáticas drásticas e recursos naturais limitados. Caso não mude, projeções do Boston Consulting Group indicam queda de cerca de três pontos percentuais na margem do EB- D em parte, a estas novas demandas. H&M criou a linha Conscious e Zara lançou a coleção Join Life, ambas con- feccionadas com tecidos feitos a par- tir de fibras recicladas, garrafas pet ou até mesmo redes de pesca. Tanto Zara como H&M implantaram programas de reciclagem de roupas usadas, disponibi- lizando pontos de coleta ou retirando na casa de seus consumidores. No ano pas- sado, o grupo H&M colocou no merca- do uma nova marca, Arket, alinhada aos princípios do slow fashion e da moda ética: design atemporal, rastreamento da cadeia produtiva, matérias primas or- gânicas, recicladas e de origem. Emmaio deste ano, 94 empresas, que re- presentam12,5%domercadomundial da moda, assinaram um termo de compro- misso para implementar ações que visam garantir um índice maior de sustentabili- dade na cadeia produtiva. Entre os princi- pais players damoda global é consenso a necessidade demudar. Resta saber como e quando esta mudança se dará. Com um volume de negócios de 45 bi- lhões de dólares registrado em 2017, o que o qualifica como umdos cincomaio- res países produtores do mundo, o ne- gócio da moda no Brasil ainda tem um bom caminho pela frente rumo à econo- mia circular, embora já existam iniciati- vas em ação como o Movimento Reciclo, da C&A. Investir na reflexão, análise e transformação desta cadeia, tornando-a capaz de ser um dos principais agentes mundiais, é algo que pode valer a pena. Fotos: Divulgação 30 161 O futuro e o negóciomoda Chegou o momento da indústria da moda, como demais setores produtivos, buscar novos caminhos para prosperar

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